domingo, 10 de abril de 2022

A verdade de Antoine

A verdade de Antoine


 

É quase 1h, e por acaso ouço e assisto Evidências. Fala de amor, amor romântico, mas sinto só como amor.

Percebo que tento encontrar palavras, que entretanto me faltam para dizer o que sinto.

Talvez, ia dizer, mas sem talvez, digo, faltam-me porque quero encontrar aquelas que digam, sem dizer tanto...

Como se faz pra lidar com a falta, com a saudade, e com uma mágoa que insistem em não morrer?

A forma pode ser baseada no respeito por essas escolhas alheias, embora possam trazer uma espécie de amargor, e que em face delas se entenda, embora, se deva com elas lidar apenas respeitando-as. Sem rebelar-se, sem questioná-las. Apenas aceitando-as.

Sempre são dolorosos, e paradoxalmente prazerosos os reencontros com essa saudade. Como se o contentamento por eles acontecerem, porque você não se negou a confrontá-los, coexistissem com a tristeza. E tudo bem.

É meio como um enamorado renitente que ao ver o velho amor se contentasse com essa troca minúscula.

E você sabe que o amor está ali porque se sente que tudo faria por ele, precisasse. E que qualquer coisa triste que lhe diga respeito e que se venha a saber ou conhecer basta para encomendar a lágrima indesejada. E que qualquer coisa boa, o contentamento.

A amizade, a verdadeira amizade é meio assim, me parece. Pouco importa seja, como nesses casos possa parecer, unilateral. E se é meio que obrigado a saber conviver com a falta e todos os sentimentos que essa ausência traz.

Evidências já se foram e o ambiente é tomado de há muito por uma bossa nova com cheiro da brisa do Reno no meio inverno.

Parece, só parece que não me atrevo a afirmar , é até pior do que o amor que finda deixando um deles ainda amante. Nesses casos parece, sempre parece, que um dia vai acabar.

Mas a amizade não. Esta, é possível afirmar, não tem fim.

Deve ser por isto a responsabilidade de que falou Sain-Exupéry.

Ainda que quem cative não raro não se dê conta...

domingo, 13 de março de 2022

Abóboras (ou abobrinhas)


Abóboras (ou abobrinhas)

Faz tempo que não escrevia uma crônica, ou algo parecido. Não quero taxar o texto disso ou daquilo. Mas desde agosto de 2020, em plena pandemia (e ela acabou?), não o fazia.

Percebi que desde o golpe de 2014 ­― o que levaram a efeito no Brasil; há outros fora dele, que os caras não brincam ―, perdi o tesão. Não me esqueço do Enio (Lins) me dizendo, em algumas raras vezes em que nos encontramos: escreva! Assim, com exclamação percebida (por mim). Ele devia gostar, pra dizer.  Sinto, Enio, não consegui. Do Diógenes (Tenório Jr.), especificamente sobre as coisas da vida, minhas reminiscências, especialmente, ouvi cobranças também. Dizia que gostava. Dos textos de política ele não parecia concordar (com minhas opiniões), mas respeitava.

Pior é que essa perda não se limitou à política. Foi geral. Ou quase. Uns poucos textos, de lá pra cá. O último, sobre meu pai querido que nos deixou em 2014. Ô, ano (oh, ano)! Ô, pai... Quanta saudade. Quanta vontade, inútil, de ter feito mais pela gente. Quanta saudade de você, quantas lembranças boas e eternas do que consegui fazer. 2014, de novo! E só.

Estou em dívida (de alguns anos), por exemplo, com meu primo Elio (Rego). Um sujeito brioso, lindo, queridíssimo demais da conta, que lutou bravamente contra a ditadura. Certamente o homem mais corajoso e fiel às suas convicções que conheço. Não uma biografia sobre essa figura em tudo e por tudo (que eu sei!) maravilhosa. Nem me atreveria a tanto. Mas somente uma reprodução das incríveis histórias suas. E que me comprometi a escrever. Neste caso pelo menos tenho a desculpa de que a vida atropelou minha vontade. Tá sendo difícil, meu primo. Mas já dei o “start”, como se diz, assim estadunizado, conforme já prática neste nosso país errante. Até a bicicleta, já tive até oportunidade de escrever lá em 2006 batendo nisto, virou “bike”. Raiva, que dá, ainda. Não consigo ouvir alguém dizer minha “bike” sem me dar embrulhos no velho e intolerante estômago.

Passado mais de ano, aqui me vi novamente.

Verdade que tenho uns textos guardados, ou simplesmente arquivados automaticamente no computador, mas que não me dispus a publicar. Ainda. Fora os que simplesmente joguei à lixeira. Do micro.

Também nunca mais tinha conseguido estar na madrugada, como agora, em frente a essa “folha” branca do computador, menos ainda vê-la povoada das palavras ditadas pelos meus dedos há tempos inertes.

Não sei porque gosto tanto de música francesa (ouvindo, pra variar).  Nem entendo o que dizem. Mas gosto. Pra carai. Fosse pra aprender outra língua, seria o italiano, entretanto. Ou o espanhol. A desvantagem do espanhol é que a gente entende mais ou menos, né? Desde que falem devagarzinho. Aí, dá preguiça enfrentar a empreitada. A mesma pra não me dedicar ao violão e me sentir um pouquinho que só violonista. Fico só nas batidas batidas de sempre.

Agora vem essa guerra. Sim, são várias as guerras acontecendo. Mas na nossa mídia (ocidental), só há a da Rússia contra a Ucrânia. E, claro, do mal contra o bem, respectivamente. Mais uma vez me tratando como se idiota fosse. E lá vou eu estudar a história da Rússia, me meter a entender de geopolítica pra entender a bagaça e não me deixar engabelar pela conversa fiada de sempre. Fiada, mas competente. Basta ouvir o que me dizem muitos companheiros. Ouvi até elogios ao cara da Ucrânia que se meteu de soldado. Ô, vida. Difícil, viu? Continuo achando que deve ser, senão maravilhoso, muito confortável só ouvir o que me vomitam e seguir na toada. Mas sigo não querendo. Aff.

Tomei meu segundo Disaronno com Pirajá da Santo Grau. Itália e Brasil juntos na boemia. Viva! Ou seria o terceiro? Pensando... É que gosto de misturar licor com cachaça ou rum. Fica menos doce. Claro, fumando um charuto. Há alguns dias, como agora, uma nova descoberta: Vega Fina, da Nicarágua. Escusa-me pela traição pontual, minha Cubita querida. Você segue insuperável em tudo. Inclusive nos charutos. Saudades é pouco para expressar a minha vontade de te rever. Verdade! Hoje mesmo comentei com Ana Paula: já chegou a época dos furacões? Vamos!

Passei a barra de rolagem e vi que o texto tá desconexo e, pior, ficando grande. Qué que eu faço? Parar, né? Quem vai querer ler essa doidice? Mais um pro arquivo automático? Oh, Deus...

Legal é que nem estou escrevendo no Villas. Na Jatiúca, mesmo. Caramba, quem diria? Olho pro word. Segunda página quase completa. Endoidei. Será o Disaronno?

A verdade é que gosto de estar aqui, a escrever. Ia pro gerúndio, mas resolvi homenagear os portugueses. Gosto, também. E a escrever, vejo, me dá uma sensação de duração maior do que se dissesse escrevendo. Vou manter.

Acho que vou dormir. Tá bom, já, o quanto escrevi. Não o que escrevi, bem entendido. É, já chega. Charuto, fim. Disaronno também. Sono.


domingo, 9 de agosto de 2020

A um certo senhor


Era uma vez um senhor que nunca, nunquinha, deixou faltar nada aos filhos. E uma das coisas que mais gostava nele é que não arrotava honestidade. Praticava a honestidade como quem escova os dentes. Não é preciso alardear que se escova os dentes. Arrotava tampouco conhecimento. Nem grandeza. Arrotar arroto, bem que quando mais jovem ele arrotava. Deu-me um péssimo exemplo. Depois ele parou. Simplesmente parou. Silenciosamente, sem alarde.

A sua família, por exemplo, era a família dele. Ponto. Que ao jeito dele amava. Não o via dizendo que a sua família era melhor que as outras. Que seus filhos eram mais inteligentes, corretos, ou outras qualidades. Qualidades que percebia ele enxergava, mas modestamente satisfazia-se com a ciência delas para si. Eu achava isto o máximo. Percebi logo cedo que eu era um fã da modéstia. Acho massa a modéstia. A modéstia é meio parente da honestidade. Você não precisa se dizer modesto. Até porque aí não haverá modéstia. E quando você é modesto ou honesto — interessante... —, você não exige nem arrota a honestidade ou a modéstia que faltaria nos outros. Você vê, avalia, põe de lado, e segue em frente. Falar em massa, adjetivo, e modéstia, substantivo, lembrei-me de Caetano falando de Gilberto Gil e de Milton Nascimento. Na live de seus 78 anos. Um gênio, mas tão modesto... Exaltou Gil, e sua família, e Milton, colocando-os num patamar musical superior a ele e à sua própria família. Modéstia elevada à enésima potência. Lindo demais, isto, acho. Gosto demais de gente assim. Nem preciso dizer que me soou verdadeiro, porque falsa modéstia se enxerga de longe.

Aquele senhor (voltando a ele) era tão modesto que algumas coisas dele só vim a “descobrir” depois que ele nos deixou. Sabia da sua sensibilidade e generosidade. Mas sabia meio por que sabia. Boa parte dos testemunhos vieram após seu falecimento, no velório, até.

Uma vez, já com a saúde debilitada — mas não ao ponto de que eu pudesse prever desfrutaria poucos anos mais dele —, foi homenageado por um dos hospitais em que servira. No caso dele o verbo era esse mesmo: servir. Eu percebi duas coisas, nesse dia/noite: uma, que ele tinha a exata noção da homenagem (nem mais, nem menos); outra, que ele estava orgulhoso de si e de sua trajetória como médico. Mas essa percepção deveu-se unicamente à minha atenção. Porque quando se tratava de exaltação, o que se sobressaía, nele, mesmo, era a modéstia. Como eu era o escrevedor e orador, fui eu que agradeci por ele a homenagem. E eu ali era puros amor e orgulho.

Eu dizia que esse senhor nunca, nunquinha, deixou faltar nada aos filhos. Até hoje me miro em sua prática. Se ele fazia, se ele dava, se ele proporcionava, se ele incentivava — e, importante, ela, sua esposa, apoiava —, tenho como parâmetro para quando preciso fazer, dar, proporcionar ou incentivar os meus. Claro que infelizmente nem de longe com a sabedoria dele.

Mas o fato é que, hoje, se tenho os filhos que tenho — filhos para amar como esse senhor amou aos seus — devo isto a ele (e a ela, que só está entre parênteses, vou explicar, porque hoje o dia é só o dos “dos pais”, e ela generosa e modestamente não vai se incomodar que a exaltação seja a ele).

Sim, não é mais preciso explicar que esse senhor é meu pai. Talvez estivesse explícito desde o início. E, preciso dizer a ele (na esperança que tive um tempo atrás de que, de onde ele está, leia, e me fez escrever): pai, sinto muitas saudades de você.

*http://www.santacasademaceio.com.br/2010/10/aos-79-anos-medico-antonio-eustaquio-e-reconhecido-por-seus-pares/


sábado, 26 de janeiro de 2019

Lugares


Há lugares onde você dança ao som da natureza, sonha sem precisar dormir, conversa consigo, é feliz sem causa, onde a vida parece ser mais. Aqui e na Ilha é assim. Cá e lá as noites e os dias abraçam seu espírito. E beijam. As madrugadas são mais amantes, no ruído ou no silêncio.

Aqui, do alvorecer da alegria, do amor desfrutado, sentido, sonhado, lembrado, dos momentos ensolarados e enluarados com amigos queridos, das discussões políticas, da filosofia sem método, dos cafés, da boemia, da leitura, da escrita, do cinema, da paz. A especial solidão a dois. Onde meu espírito vagueia, pousa, alimenta-se, dorme. E refastela-se. Onde também as recordações agitam meus pensamentos, misturadas no hoje e no ontem, voando vez em quando pelo amanhã, maravilhosas vitaminas de banana feitas ou por fazer em liquidificadores diversos. Onde as reflexões borbulham minha alma. Onde sinto a graça de ser o que era e o que a vida, e eu, me transformaram. Onde sorrio, gargalho, discurso. E choro. Onde meu estômago rodopiando de felicidade agradece, com ou sem náusea, na manhã seguinte. Onde reflito e vivo as lamentações e a tristeza inevitáveis pelas minhas algumas expectativas frustradas pelos autores de suas vidas, cujo controle felizmente não me é dado, para depois afastá-las com o melhor de mim. É aqui que agradeço. E que me sinto estimulado a perseverar. E a viver.

Na Ilha encontrei talvez o que mais próximo do amor. Pelo outro e pelo viver. E onde o sensual e o alegre também se mostraram mais espontâneos e doces. Onde a vida parece tremer de tão viva, horas mais rápida, mas sem pressa, horas mais devagar. Ansiosa por ser tocada e deflorada. Inebriada pela compaixão, pela altivez, pela educação, pela generosidade, pela música, pelo canto e pelo requebrado de suas curvas que se confundem entre si. E pela dor. Resistindo aos ventos que tentam apagá-la, vindos lá de longe de seu mar que parece sempre preparado para afugentar o invasor, como muralha de forte ou ondas de guerreiros invencíveis perfilados em sua costa havanesa. Cuba não mente, não falseia, não é covarde, não é burra. Cuba não é pra quem quer ...

Há lugares de vida, e lugares de morte. Alguns são uma coisa ou outra a depender do lugar dentro de si.


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Abacate

http://ceafa.com.br
A consciência da finitude. Os questionamentos que renitiam em invadir-lhe a mente e a alma. Alma? Para que, afinal, a vida? Por que encontrar a felicidade, justo aí? Seu pai nunca mais veria.  Seu cachorro fora-se há tanto tempo, mal era recordado. Seus avós, já não os tinha tampouco. Receberam o amor que mereciam? Um dia, todos os que amava, mal ou bem, também se iriam. Ele também. Por que voltara a fumar, se queria retardar? Gostava. Tá. Achava a vida sem vício algum uma chatice. Mas não era uma contradição? Era. Talvez. Queria fazer tanta coisa, ainda.
Provavelmente não era pra pisar o chão, ainda úmido pelo pano molhado que acabara de ser passado. Mas ele pisou. E amanhã o pano teria que ser usado novamente. Independentemente de suas pisadas. A poeira também fazia parte da vida. E o gesto de tirá-la. Repetido por toda ela. Queria significar que a vida, tal como pensamos conhecer, não para? A poeira só se mantém quando a vida acabou... Esteja você morto, ou vivo.
As folhas e galhos mais finos pareciam dançar ao som de Que Reste-t-il De Nos Amours.... Sentia seu coração também batendo sob o compasso da melodia. Que venham a poeira e os panos molhados... Non, Je Ne Regrette Rien. Sim! elas ouviam! Seu balé era mais lento, agora. No compasso perfeito. Alguns galhos mal se mexiam. O casal que passava ouviu e olhou. Dancem, dancem, aproveitem!, pensou. Foram-se. Talvez não tenham tido coragem. É preciso coragem para ser feliz. Milord! Lindo! Recomeçaram a bailar freneticamente. E à primeira pausa também pararam. E depois continuaram bem devagar. Viva! Voltaram a mexer-se no compasso seguinte. É... as plantas ouvem e sentem. Como ele. Seria possível a melancolia e a felicidade coexistirem? Duas crianças chispam pelo jardim. A mais velha pega a outra nos braços. Parecem esvoaçar num largo salão de alfombra verde, bracinhos abertos redopiando em torno do velho pé de caju doente. Seus galhos magros e descabelados, por sua vez, embora esgotados, parecem sorrir agradecidos enquanto se deixam, sem resistência, assenhorear-se pela toada e seus novos pares.